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terça-feira, 18 de agosto de 2009

A Igreja como Promotora de Arte

Por Carolina Gama
"Recentemente fui convidada a participar de um debate cujo tema era “A igreja como promotora de arte”. Apesar da minha timidez e da tendência a fugir de confrontos, concordei em ir porque como artista e como cristã sei que o meu silêncio não é uma opção. Não acho que eu tenha muito a oferecer, confesso que tenho mais questionamentos do que respostas. Por isso optei por contar um pouco da minha experiência e de algumas reflexões que fiz ao longo do caminho na esperança de, com isso, dar uma pequena contribuição.
Tempos atrás, numa Bienal do Livro, assisti a um bate-papo entre a poetisa Adélia Prado e o Frei Beto. Em certo ponto da conversa o Frei Beto disse - “A Adélia olha para uma pedra e vê um diamante”. A Adélia, por sua vez, respondeu que ela não fazia nada, apenas servia de instrumento nas mãos de Deus.
Nas artes, costuma-se ligar o termo “beleza” a coisas alegres, simétricas, coloridas e relaxantes. Eu prefiro o ponto de vista do Frei Beto. Penso que o artista que reproduz a beleza em seu trabalho, não é aquele capaz de recriar uma imagem com perfeição, que usa como tema apenas elementos da perfeita criação de Deus ou temas bíblicos. O artista que retrata a beleza em sua obra é aquele capaz de mostrar o mundo aos olhos de Deus. É aquele que propõe uma maneira completamente nova de olhar para as coisas, encontrando vida nos mais obscuros cantos do coração do homem, dando lugar de destaque ao que é considerado inútil, marginal, simples. É o que “olha para uma pedra e vê um diamante” e é capaz de comunicar isso ao outro.
Um exemplo muito conhecido de artista cristão foi Vincent Van Gogh. Por mais que tentem classificá-lo como “Impressionista” ou “Expressionista”, ele foi único, produzindo uma obra à frente do seu tempo, e oferecendo um jeito singular de olhar para o mundo. Quando foi para as minas de carvão da Bélgica, como um jovem missionário, fazia desenhos para vender e dar o dinheiro aos pobres. Mas o que ele desenhava eram os carvoeiros miseráveis que viviam a sua volta, em seus sofrimentos e beleza.
Há dois anos fui assistir a um sarau em uma igreja na cidade de São Paulo. O intuito dos organizadores não era apenas promover apresentações musicais, mas incluir no programa outras formas de arte. Para a exposição de artes plásticas compraram alguns metros de tecido preto (que deveriam cobrir as janelas) e neles fizeram uma “arte moderna”. Lambuzaram as mãos de tinta e imprimiram no tecido, espirraram tinta no tecido, etc. Tudo muito colorido no fundo preto. Esses tecidos foram pendurados. E em cima de cada um colocaram uma etiqueta com o nome da “obra” e do “artista”. Primeiramente, se considerarmos que aquelas cortinas eram obras, seria uma falta de respeito colar a legenda em cima delas, o mais adequado seria ao lado, na parede. Em segundo lugar, a técnica de arte escolhida demonstra o preconceito que existe de muitos com relação ao que é a arte moderna e contemporânea.
Quem não tem muito conhecimento das artes plásticas tem a tendência de achar que hoje qualquer coisa que se faça é arte. Não se leva em consideração o percurso histórico que levou artistas a fazerem uma arte aparentemente banal e fácil, e nem se leva em consideração o processo de trabalho do artista que não produz seu trabalho em cinco minutos, ou se o faz é devido a uma bagagem técnica e teórica acumulada.
No caso dessa igreja, o intuito de promover a arte se tornou deboche e desrespeito. Poderia-se dizer que ao menos houve uma iniciativa desses irmãos. Mas eu tenho pensado muito sobre os recursos que temos e o quanto desfrutamos deles. E acredito que a desculpa de que “ao menos houve uma iniciativa” é inaceitável no contexto onde aquelas pessoas estavam inseridas.São Paulo concentra uma variedade ampla de artistas plásticos, de museus e de galerias de arte. Os dois principais jornais da cidade divulgam diariamente exposições tanto de obras de arte históricas quanto de artistas contemporâneos. Quem não gosta de ir a museus, ou não tem tempo, encontra obras de artistas consagrados, como Tomie Ohtake, espalhadas pela cidade, em canteiros, praças ou calçadas. Nem o crente, que tem a desculpa de que só “consome” arte de artistas cristãos, tem desculpa. Existem muitos artistas plásticos profissionais que são cristãos, que atuam no meio secular. Alguns inclusive tem suas obras em museus e coleções importantes do país. Além disso, existe a internet, onde inúmeros artistas, museus e galerias do mundo todo exibem obras e fornecem informações sobre artistas e sobre o que são as artes plásticas e visuais. No mínimo existe o Wikipedia.
A igreja não pode promover a arte sem antes conhecê-la, compreender suas normas, sua essência, seus porquês. Como é possível promover algo que não se conhece? Se considerarmos que as artes são linguagem, como podemos dialogar sem escutar? O que a igreja tem feito em geral, é criar uma arte dentro de uma redoma, incapaz de dialogar com o mundo ao seu redor. E isto não é arte. No mínimo é uma arte aleijada, pobre e que não acrescenta nada.
Em um primeiro momento acredito que a igreja deve ser acima de tudo incentivadora da arte, estimulando seus membros a conhecer a arte, a frequentar exposições, apresentações, cinemas ou qualquer outro lugar onde a arte seja promovida de maneira séria e profissional. Deve-se desvincular a arte da instituição religiosa. Num segundo momento a igreja deve se prontificar a acolher essa realidade, suas contribuições, tensões, impressões, desfavores, contradições e acolher inclusive aqueles que escolherem enveredar por esse caminho."

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